RESUMO

O papel dos mamíferos marinhos no ecossistema não é bem compreendido, e é dificultado pelo deficiente conhecimento científico sobre as relações tróficas e de fluxo energético na teia alimentar. A plataforma continental do sul do Brasil situa-se no limite oeste da Convergência Subtropical, a qual, junto às descargas continentais e à variabilidade na circulação, influenciam fortemente as características fisico-químicas e biológicas da mesma. Esse funcionamento integrado e interdependente entre a zona costeira e oceânica é responsável por uma alta produtividade na plataforma continental, sustentando grandes biomassas em todos os níveis tróficos. Na plataforma interna, três espécies de mamíferos marinhos (o boto – Tursiops truncatus, a toninha – Pontoporia blainvillei, e o leão-marinho – Otaria flavescens) encontram-se em simpatria na região costeiras adjacente ao estuário da Lagoa dos Patos, onde a sobreposição de nicho trófico é um potencial fator afetando a ecologia alimentar das mesmas. Apesar destes predadores de plataforma continental interna terem suas dietas conhecidas, nenhum estudo até o momento focou na interação trófica entre as mesmas. Esta proposta tem como objetivo geral caracterizar a ecologia trófica e o uso de habitat pelos mamíferos marinhos do estuário da Lagoa dos Patos e áreas costeiras adjacentes, sul do Brasil por meio de isótopos estáveis de nitrogênio e carbono e elementos traço. As análises químicas serão realizadas a partir de amostras de dentes das três espécies, utilizando um espectrômetro de massa acoplado a um analisador de elementos, no caso dos isótopos e a técnica de ablação a laser seguida da análise num espectrômetro de massa e plasma indutivamente acoplado, no caso do Ba e Sr. A razão entre a concentração de nitrogênio-15 e nitrogênio-14, tipicamente apresenta um incremento entre níveis tróficos, permitindo desta forma, comparar a posição trófica de vários consumidores dentro de um mesmo ecossistema. O carbono, não sofre mudanças drásticas na sua relação de isótopos entre os níveis tróficos. Porém, são bons indicadores da produtividade primária ou dos substratos inorgânicos que sustentam essas redes tróficas, podendo diferenciar a procedência dos recursos alimentares (água doce vs. marinha, costeira vs. oceânica, bentônica vs. pelágica). A água marinha possui alto conteúdo de sulfatos, os quais reagem com o Bário (Ba), resultando numa forma estável de sulfato de Ba (barita) que precipita, removendo íons Ba2+ da coluna d'água. O estrôncio (Sr), embora se comporte de forma similar ao Ba, forma componentes mais instáveis e, por conseqüência, uma maior proporção de Sr dissolvido retorna ao ambiente. Assim, existe alta biodisponibilidade de Sr e baixa de Ba na água marinha em relação à água doce. Esta relação positiva do Sr e negativa do Ba com a salinidade pode ser detectada em tecidos inertes, como os dentes dos mamíferos marinhos. As razões de Ba/Ca, Sr/Ca e Ba/Sr serão utilizadas, pela primeira vez, para caracterizar os padrões de uso de habitats por espécies de cetáceos ao longo de gradientes de salinidade. Dado o exposto acima, esta proposta está orientada nas seguintes hipóteses ecológicas: i. As três espécies apresentam variações ontogenéticas na alimentação, as quais podem ser evidenciadas pela variação na composição de isótopos estáveis nas diferentes faixas etárias; ii. Existe uma superposição de nicho trófico entre as três espécies, a qual pode ser evidenciada através das composições de isótopos estáveis dos seus tecidos; iii. A dieta destas espécies e, por tanto, suas composições isotópicas, pode ser avaliada através dos valores isotópicos médios encontrados nas suas presas potenciais; iv. Estas espécies mudam sua dieta, e por tanto sua composição de isótopos estáveis, ao longo do tempo em resposta a pressões ambientais, como por exemplo sobre-pesca; v. Os valores médios das razões Ba/Ca e Ba/Sr que compõem as camadas de crescimento encontradas nos dentes de botos e leões-marinhos refletem as características ambientais (salinidade) dos locais onde habitam. As suas variações por tanto, refletem mudanças de habitat, nos indivíduos que se movimentam entre áreas distantes, ou mudanças no habitat de indivíduos residentes. O perfil de variação de Ba/Ca e Ba/Sr ao longo da vida dos indivíduos poderá revelar padrões temporais que refletem, possivelmente, marcadas variações interanuais no regime de chuvas na região, associadas a eventos climáticos extremos como o El Niño e La Niña. O estudo das posições e interações tróficas de mamíferos marinhos e dos padrões de uso do habitat na área costeira adjacente ao estuário da Lagoa dos Patos, representará um avanço importante para compreender o papel desses animais na dinâmica e funcionamento desse e outros ecossistemas marinhos.


Objetivo Geral

Caracterizar a ecologia trófica e o uso de habitat pelos mamíferos marinhos do estuário da Lagoa dos Patos e áreas costeiras adjacentes, sul do Brasil.


 

Objetivos Específicos

 Ecologia trófica
1) Estimar a idade dos exemplares de Tursiops truncatus, Pontoporia blainvillei e Otaria flavescens;
2) Analisar a concentração média de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio em dentina de exemplares de cada espécie;
3) Estimar a posição trófica das espécies;
4) Verificar variação ontogenética na alimentação e posição trófica dentro de cada espécie;
5) Verificar diferenças nas concentrações isotópicas entre sexos dentro de cada espécie;
6) Avaliar o grau de sobreposição de nicho trófico entre os botos, toninhas e leões-marinhos;
7) Estimar a composição da dieta das três espécies através de modelos de mistura com base nos dados isotópicos das potenciais presas;
8) Verificar a existência de variações temporais (p.ex. interdecadais) na dieta destes mamíferos marinhos costeiros através de dados históricos de conteúdos estomacais e isótopos estáveis.


Uso do habitat

9) Utilizar as razões Ba/Ca e Ba/Sr encontradas em séries cronológicas de dentes de botos e leões-marinhos como indicadores de uso do hábitat destas espécies e/ou da influência de eventos climáticos extremos (p.ex. El Niño, La Niña) nas características do hábitat.

 

Responsável e Participantes


Eduardo Secchi (Coordenador), Silvina Botta, Emanuel Ferreira, Luara Lopez, Bruna Paro
Financiamento: CNPq