PERTURBAÇÕES HUMANAS E NATURAIS

 

A importância ecológica e sócio-econômica do estuário da Lagoa dos Patos destaca-se no Atlântico Sul-Ocidental e a região, por mais de um século, tem satisfeito as necessidades ecológicas e humanas sem qualquer gerenciamento. Entretanto, durante décadas recentes a crescente demanda por água para uso doméstico, industrial e irrigação das lavouras de arroz tem modificado significativamente a média anual da descarga de água doce que passa através do canal de acesso ao estuário. Especialmente em anos de seca, o desvio (> 13%) de água doce pode afetar negativamente o balanço de salinidade e nutrientes no estuário e a exportação de matéria orgânica para águas costeiras. Grandes quantidades de nutrientes são adicionadas à lagoa durante o transbordamento de estações de tratamentos de esgotos deficientes e de atividades agrícolas de larga-escala levando à eutrofzação e modificações na composição do fitoplâncton com florações de cianofíceas tóxicas (Microcystis aeruginosa).

 

Aumentos esporádicos na concentração de cobre e chumbo em suspensão podem refletir a entrada de metais de efluentes industriais e atividades mineradoras na bacia de drenagem, muito embora as concentrações de metais correspondam a níveis normais. O efeito acumulativo de dragagens (aprox. 30.000 m3mês-1) para resolver problemas imediatos de navegação no canal de acesso a enseada estuarina e principais canais de navegação, tem modificado os padrões de circulação e processos naturais de deposição no estuário e nas áreas costeiras próximas as praias. Nos últimos dois séculos cerca de 10% da área de águas estuarinas e franjas de marismas tem sido destruídas devido a dragagem e/ou deposição de material devido a expansão do Porto de Rio Grande. Por mais de um século, pescarias com redes de emalhar e arrasto forneceram as bases sócio-econômicas para pescadores artesanais, que se beneficiam da migração de crustáceos e peixes para dentro e fora do estuário. Após 1945, a introdução de redes com fibras sintéticas, barcos motorizados e modernos meios de transporte e estocagem aumentaram significativamente os esforços de pesca e a pesada exploração durante os anos 70 causaram o colapso dos estoques estuarinos de miragaia, corvina e bagre. Embora as extensas praias da costa Atlântica adjacente sejam destituídas de habitações humanas, o impacto da pesca costeira sobre o estoque de peixes juvenis e o tráfego de veículos ao longo das praias sobre os invertebrados infaunais está se tornando mais e mais aparente.

 

A criação extensiva de gado sobre o capim-de-areia (Panicum) tem deixado as dunas frontais suscetíveis à erosão por ventos que se deslocam em direção as praias, levando à massivas transgressões de areia para as depressões após as dunas e marismas de água doce. Além disso, uma vez que alagamentos sazonais das marismas controlam diretamente o lençol freático das dunas frontais, drenagens artificiais das marismas antes de reflorestamentos de larga-secala com Pinus e Eucalyptus tem afetado o equilíbrio natural da vegetação das dunas e, consequentemente, a estabilidade costeira e a diversidade biológica. Ademais dos impactos humanos, o declínio dos recursos costeiros, de sua estabilidade e diversidade podem ser atribuídos a fenômenos globais de larga-escala. Eventos do El Niño Oscilação do Sul (ENSO) afetam profundamente a dinâmica ecológica no estuário e regiões costeiras adjacentes. Enquanto durantes anos chuvosos de El Niño, descargas elevadas de água doce e concentrações de nutrientes dissolvidos aceleram o crescimento do fitoplâncton, durantes anos de La Niña a intensa salinização interfere com os ciclos reprodutivos de vários crustáceos e peixes marinhos no estuário. Além disso, um decréscimo de 13 a 20% do ozônio estratosférico sobre o Sul do Brasil tem aumentado a radiação UV-B, a qual provavelmente altera a abundância e a produtividade de algas, gramíneas submersas, vegetação de marismas e plantas de dunas.